Poeta Fábio de Carvalho Multiartista Pernambucano

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

o cego que enxergava / fábio de carvalho maranhão

o cego que enxergava / fábio de carvalho maranhão

Perto de um beco havia uma criança chorando desesperada.
Ninguém a escutava, pois estavam preocupadas com o corre-corre do seu dia.
Logo na outra esquina havia outra criança, desorientada, com a face abatida,
só que ninguém a enxergava, pois só olhavam para a frente o para o próprio nariz.
Depois do sinal havia mais uma criança, vendendo laranjas, mais outra limpando para-brisa e ainda mais uma fazendo malabarismo,
porém, todos que pararam no sinal não gostavam de laranjas, não baixaram os vidros, nem apreciavam as artes do circo de rua.
Depois do quarteirão surgiram mais crianças, com vestes esfarrapadas, latas de coca nas mãos e olhos vermelhos,
andavam de um lado para o outro como se procurassem um tesouro perdido,
mas ninguém reparou naquele amontoado de esperanças perdidas,
ninguém tentou acha-las ou a pressa era mais urgente.
Muitas crianças eram vistas pela cidade, perambulando, como quem foge ou tenta descobrir o mundo.
Debaixo dos viadutos, nas escuras ruas da madrugada, nas vielas e nas ruas movimentadas pela euforia pós-moderna.
Muitas dessas crianças até dormiam no chão,
é que não tinham luxo, nem cobertores usavam.
Outras gostavam dos animais, pois dormiam com cachorros,
e as pessoas que passavam por ali diziam: “Que criança humilde!”.
Mas quase ninguém enxergava essas crianças que nunca iam pra casa.
Ninguém se perguntava o porquê daquelas adoradoras das ruas.
A maioria que passava e não via, não usavam óculos,
talvez lentes...
Logo na esquina, havia um cego, parado com o seu cão de guia,
esperando o sinal fechar, para atravessar a rua com a sua enorme sacola de pães e leite,
para distribuir para a criançada,
que já acostumada com aquele gesto,
esperava do outro lado do sinal.
O nome daquele homem eu desconheço.
Mas não importa o seu nome.
O importante é o gesto.
Mesmo ele sem a visão conseguia enxergar mais do que aquelas pessoas apressadas,
que viam mas não enxergavam, escutavam mas não ouviam...
Logo mais, eu ouvi gritos de alegria.
Vejam só: era a criançada vindo ao encontro daquele senhor sem nome...

Cortês-PE, segunda-feira, 21 de novembro de 2016. - 20h15min – 20h33min.



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