o
cego que enxergava / fábio de carvalho maranhão
Perto
de um beco havia uma criança chorando desesperada.
Ninguém
a escutava, pois estavam preocupadas com o corre-corre do seu dia.
Logo
na outra esquina havia outra criança, desorientada, com a face abatida,
só
que ninguém a enxergava, pois só olhavam para a frente o para o próprio nariz.
Depois
do sinal havia mais uma criança, vendendo laranjas, mais outra limpando
para-brisa e ainda mais uma fazendo malabarismo,
porém,
todos que pararam no sinal não gostavam de laranjas, não baixaram os vidros,
nem apreciavam as artes do circo de rua.
Depois
do quarteirão surgiram mais crianças, com vestes esfarrapadas, latas de coca nas
mãos e olhos vermelhos,
andavam
de um lado para o outro como se procurassem um tesouro perdido,
mas
ninguém reparou naquele amontoado de esperanças perdidas,
ninguém
tentou acha-las ou a pressa era mais urgente.
Muitas
crianças eram vistas pela cidade, perambulando, como quem foge ou tenta
descobrir o mundo.
Debaixo
dos viadutos, nas escuras ruas da madrugada, nas vielas e nas ruas movimentadas
pela euforia pós-moderna.
Muitas
dessas crianças até dormiam no chão,
é
que não tinham luxo, nem cobertores usavam.
Outras
gostavam dos animais, pois dormiam com cachorros,
e
as pessoas que passavam por ali diziam: “Que criança humilde!”.
Mas
quase ninguém enxergava essas crianças que nunca iam pra casa.
Ninguém
se perguntava o porquê daquelas adoradoras das ruas.
A
maioria que passava e não via, não usavam óculos,
talvez
lentes...
Logo
na esquina, havia um cego, parado com o seu cão de guia,
esperando
o sinal fechar, para atravessar a rua com a sua enorme sacola de pães e leite,
para
distribuir para a criançada,
que
já acostumada com aquele gesto,
esperava
do outro lado do sinal.
O
nome daquele homem eu desconheço.
Mas
não importa o seu nome.
O
importante é o gesto.
Mesmo
ele sem a visão conseguia enxergar mais do que aquelas pessoas apressadas,
que
viam mas não enxergavam, escutavam mas não ouviam...
Logo
mais, eu ouvi gritos de alegria.
Vejam
só: era a criançada vindo ao encontro daquele senhor sem nome...
Cortês-PE,
segunda-feira, 21 de novembro de 2016. - 20h15min – 20h33min.
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