Poeta Fábio de Carvalho Multiartista Pernambucano

quinta-feira, 22 de março de 2012

linhas de amargura / fábio de carvalho (21/03/2012)


“Assim, me ponho a reelaborar meus dias traçando um esboço negro, apoiado em um lápis amigo, que me ajuda a delinear minha amargura da mesma forma que minhas noites me auxiliam na reflexão pulsante e melancólica sobre meus ideais ultrapassados e sobre os meus sonhos de impossibilidades”. Fábio de Carvalho




linhas de amargura / fábio de carvalho

Se as minhas dores fossem de pedra ela se dissolveriam...
Se as minhas angústias fossem de água elas se evaporariam...
Se as minhas tristezas fossem de ar elas passariam...
Se as minhas carências fossem como o sono elas cessariam...
Se as minhas saudades fossem como os dias elas não voltariam...
Se as minhas imperfeições fossem como o amanhecer elas se lapidariam...
Se as minhas imensas sensações de vazio fossem como as ondas do mar elas se esvairiam...
Se as minhas sensações de eterna melancolia fossem como as noites que se vão, elas até que retornariam, mas creio que em cada retorno, elas se diminuiriam tal qual o rochedo da mais alta montanha, que com o passar do tempo, se rescinde...

Mas como a minha dor não é de pedra a cada dia ela se solidifica mais...
E constatando ainda que as minhas angústias não são de água elas escorrem dos meus olhos como um degelo em mares rubros...
Ainda sabendo que as minhas tristezas não são feitas de ar, sinto a cada dia elas retornando... Como um pôr do sol triste, no fim de uma tarde de sombras baldias, abatidas...
Percebendo e tendo infinita certeza que as minhas carências não são como o sono, fico dias e mais dias, a contemplar o céu com ou sem estrelas, com ou sem a lua, entregue a insônia desonesta e torturadora...
Vejo com os olhos da alma que as minhas saudades não são da mesma essência que os dias, pois se fossem, elas não voltariam... Todos os dias são diferentes. Cada dia que renasce é um outro dia qualquer... Mas enquanto isso, as minhas saudades são as mesmas.
Mais uma certeza que carrego comigo, é que as minhas imperfeições não são como o amanhecer ou os amanheceres que brotam das noites escuras ou estreladas, pois se fossem, ao menos às vezes, elas rebrotariam com algum raio luminoso que fosse... Um raio que renasce, que ressurge... As luzes dos amanheceres são símbolos dos renasceres... As minhas imperfeições são reflexos baldios das minhas chagas espirituais e das minhas eternas saudades...
É por isso que me encho de uma sensação de vazio que não cessa.
Assim, me ponho a reelaborar meus dias traçando um esboço negro, apoiado em um lápis amigo, que me ajuda a delinear minha amargura da mesma forma que minhas noites me auxiliam na reflexão pulsante e melancólica sobre meus ideais ultrapassados e sobre os meus sonhos de impossibilidades.
Arrasto os pés com cuidado durante as noites que caminho de um lado ao outro analisando essas deficiências que carrego.
Não quero me comprometer com o tempo, com o abismo que é a felicidade, pois ninguém pode se comprometer em ser feliz.
A felicidade, além de ser medida incerta como o tocar em uma estrela, é um desafio sem fim, uma longa estrada sem trajeto, uma noite sem a expectativa de um amanhecer ou um dia sem o brilho cadente e solar, é um enigma infinito, uma interrogação abstrata, uma noite que se vai para o mundo das perguntas sem respostas.

Nunca busquei decifrar a felicidade como as respostas que talvez encontro para as coisas mais simples.
Talvez algum dia eu me ponha ao dever ou a satisfação de analisar a felicidade, mas antes disso, devo reconhecer este sofrimento que brota da alma como desafio primário e como página do meu destino que fora desenhado a sangue que pulsa e jorra da mente.
Já não percebo se as noites duram...
Talvez seja incompreensível para mim a minhas dores, angústias, tristezas, carências, saudades, imperfeições, sensações de vazio e essa eterna melancolia que me torna etéreo, imperceptível às vezes...
Vejo agora que no meu olhar mora um desconhecido secular...
Já não calculo quantas horas por dia passo sem me mover ou sem olhar para outra direção...
Constato ainda que meus anseios são simples, de ingenuidade aguçada, porém de grandiosidade expressiva.
Os meus olhos, como já havia escrito, são longes...
Talvez vagos...
Mas certamente são de horizontes profundos...
Dolorosos, como negar?...
Ásperos... De saudades e de coisas que nem eu mesmo compreendo...
O que sei, e é o que tenho certeza, é que são profundamente afetuosos...

E se a minha noite não vier ou meu dia não brotar a única certeza que fica, é que tais deficiências, já nulas fisicamente, me deixarão por algum tempo, me aliviará por merecimento próprio...
Ocasionara-me sentir a felicidade tão abatida e desfigurada pelo meu distante olhar...
Por essa minha dor que não cessa...

Cortês – Pernambuco, quarta-feira, 21 de março de 2012.

2 comentários:

  1. Como te compreendo Poeta!Não tenho dúvidas que trouxe essa dor de outra existencia,essa saudade,essa angustia..Ficou gravado no teu perispirito,mas veio justamente pra mudar esse estado mental e perceber a liberdade que tem pra escolher entre o infeliz e o feliz.Sei que é dificil,é uma compulsão e é linda essa tristeza,essa ausencia,essa saudade,tão linda,tão sofrida,tão doce que não quer perde-la,por medo do novo,do vazio talvez,prefere a dor ao vazio!Qualquer coisa menos o vazio!Mas sei que pode encher-se de vida e de luz,estou tentando assim como você,é preciso mudar a sintonia ,mas nosso coração grita por alguém distante,é apenas um modo que achamos pra materializar essa ausencia,sentindo-a tão densa e tão proxima que desenhamos poemas,e eles são lindos ...Os seus poemas são lindos Fábio!Parabéns,me encantam!

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  2. E ainda me ponho a olhar para baixo de cima de um pequeno monte, imaginando como pisar firme o chão já repleto de caminhos sem direções, ásperos e indiscretos pelo fato de nenhum lugar quase não me atrair, quase fazer perder-me de mim mesmo... Mas as linhas são para isto... E os caminhos são para serem percorridos. Abraço de Paz, Cláudia... Muito obrigado pelo comentário.

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